18 de abril de 2012

Não é crime - aborto de anencéfalo

POR PATRÍCIA Em 2004 foi proposta a descriminalização do aborto em caso anencefalia, porém, acredito que não havia maturidade o suficiente na época, de forma que, em poucos meses, foi cassada a liminar que o autorizava, para a alegria dos manifestantes “pró vida” – seja lá o que eles entendam por vida e para tristeza de mães e familiares envolvidos numa situação de gestação de feto anencéfalo.

Muitas mulheres precisaram, neste grande período de proibição, recorrer a procedimentos pouco satisfatórios do ponto de vista da saúde física e mental. Seja abortar em clínicas, como se tivessem cometendo um crime (e tecnicamente estavam, podendo ser presas por até 4 anos); manter a gestação até o seu término, correndo sérios danos psicológicos (pense gerar por 9 meses um bebê que não viverá com você, passar por todas as transformações da gravidez e no final, não ter um bebê para cuidar e ver crescer, apenas um pequeno caixão para enterrar) e físicos (hipertensão, pré-eclampsia, estresse pós traumático, depressão) ou ainda, recorrer a justiça para que fosse autorizado o aborto, passando por situações de grande estresse, devido a incerteza de ter seu pedido negado ou aceito pelo juiz, além do tempo para receber uma resposta, sofrendo enquanto o feto se desenvolve, sem prognóstico positivo para uma vida fora do útero. É impossível imaginar de forma consistente o tamanho do sofrimento destas mulheres e de suas famílias.

No dia 11 de abril de 2012, iniciou-se novo julgamento referente à descriminalização do aborto de anencéfalos e no dia seguinte, com 8 votos a favor, o Supremo Tribunal Federal decidiu legalizar a interrupção da gravidez nestes casos. Para chegar à conclusão que se chegou, o STF levou em conta muitos argumentos relacionados ao fato e, acredito que baseado em todas as evidências, não seria possível chegar em um resultado diferente deste, se não fosse contaminado por questões de cunho religioso, por exemplo.

Desde então, não é difícil encontrar sites, blogs, revistas e jornais, discorrendo sobre o assunto. E, se de um lado encontramos uma multidão de pessoas revoltadas, dizendo que esta decisão vai contra o direito à vida, contra as leis divinas, entre outros argumentos, do outro lado vemos um grupo de pessoas (no qual me incluo), felizes com o que podemos considerar uma vitória, principalmente no que se refere ao direito da mulher e da qualidade de vida.

Tenho uma amiga psicóloga, mestre em saúde, especializada em casos de violência e abortos previstos em lei. Como autoridade no assunto, foi convidada a participar do primeiro dia de julgamento, lá mesmo, em Brasília. Desta forma, desde o início tive a possibilidade de receber informações confiáveis e em tempo real, além daquelas apresentadas na TV ou internet. A cada voto, a cada argumento, ela estava disponível para nos transmitir e também dar seu parecer a respeito, foi muito interessante e produtivo, pois pude ter um contato mais pessoal com o assunto.

Vivemos num país democrático e todos podem dar sua opinião, porém seria interessante se as pessoas, antes de saírem por aí gritando que são contra (ou a favor) disso e daquilo, procurassem entender um pouco mais sobre o que estão defendendo. Infelizmente, isso não ocorre com frequência e acabamos defendendo nossas opiniões baseados em falácias, preconceitos, “sexismos” e “achismos”. Para tentar fugir da mesma armadilha, tentarei embasar cientificamente tudo aquilo que abordo.

Não poderia iniciar de outra forma, senão explicando o que é anencefalia. De modo geral é uma má formação do tubo neural, na qual o feto não desenvolve parte do encéfalo e nem a caixa craniana. Não há garantia de vida fora do útero, sendo que na maior parte das vezes são natimortos, e no caso de sobrevivência, o bebê estará em estado vegetativo, totalmente inconsciente, não terá sensibilidade ao toque, dor, movimentos reflexos, nada. Segundo os médicos, não é semelhante a morte cerebral, pois não houve cérebro funcional anteriormente, nem mesmo formação de tecido cerebral suficiente para que desse a pessoa condições de sobrevivência. O diagnóstico é preciso e não há grandes dificuldades para identificar casos de anencefalia.

Somente com esta definição, pode-se derrubar dois argumentos das pessoas que são contra a liberação do aborto nestes casos. Um deles é que a dificuldade de identificar os casos reais de anencéfalos faria com que as mães pudessem cometer um erro gravíssimo. Ou dando o famoso jeitinho brasileiro – “digo que meu feto é anencéfalo e faço o aborto legalizado” ou ainda, o tal erro, decorrente da famosa incompetência – “fiz o aborto e descobriu-se que não era anencefalia”. O outro, é que a criança tem o direito à vida, de sentir-se viva, sentir o amor da mãe, nem que seja por algumas horas, porém, sem um tronco encefálico ou, no caso de possuí-lo, sem um cérebro funcional, não podemos dizer que há vida.

Ainda somente com a descrição da má formação genética, podemos argumentar a favor da legalização, pois durante a gestação de um feto anencéfalo, a mulher apresenta alto risco de danos físicos como embolia pulmonar, aumento do volume do líquido amniótico, pré-eclampsia e morte. Já que o diagnóstico é apresentado no início da gestação, é possível evitar todos estes transtornos fisiológicos e, além disso, todo o sofrimento psicológico que este problema causa a futura mãe. Segundo profissionais da área, todo o sofrimento desde o diagnóstico da anencefalia até a morte da criança gera graves problemas de saúde psíquica na família. A interrupção da gravidez diminui o sofrimento dos pais e evita experiências ainda mais desagradáveis, como providenciar o sepultamento do filho e toda a dor advinda deste processo, de esperar toda a gestação, para depois ver o filho num caixão, sendo enterrado. Levar a gravidez adiante pode ocasionar um quadro de depressão muito difícil de reverter. Vale lembrar que não estamos falando de uma mulher inconsequente que engravidou “sem querer” e quer se livrar do bebê, sem pensar em mais nada além de si mesma, mas sim de uma gestação desejada, muitas vezes planejada, na qual a mulher e a família criam uma grande expectativa que não vai se consumar. Ninguém espera que vai acontecer uma tragédia com os seus bebês, por isso o choque é sempre grande.

Além de levar em consideração todo o sofrimento que as famílias vivem, pois manter a gestação de um bebê que não tem condições de sobreviver, é desgastante e desumano, levou-se também em conta a autonomia reprodutiva das mulheres, o que é um grande avanço, ao meu entender. Para especialistas, é uma vitória para as brasileiras, pois esta lei garante os direitos fundamentais de liberdade, igualdade e autonomia reprodutiva.

Isto significa que a mãe não é obrigada a optar pelo aborto, somente que ela tem esta possibilidade e pode decidir fazê-lo, sem precisar esperar meses para receber uma autorização judicial, sem ser necessário sentir-se culpada e criminalizada pela decisão de interromper a gravidez, pois agora está amparada pela lei. Aliás, este é também um ponto importante! Esta lei não visa legitimar praticas de aborto, mas sim garantir o direito da mulher de realizar a antecipação terapêutica do parto. A mãe pode julgar de acordo com sua decisão pessoal e não mais depender da decisão do Estado, do magistrado ou de quem quer que seja. Assim, se você é contra o aborto em todo e qualquer caso, simplesmente siga com sua opinião e, caso concorde e viva a situação de gerar um feto anencéfalo, você agora tem o direito de poder interromper a gestação e não passar por mais traumas, além daquele que já estará vivendo. A decisão da mulher, segundo ministros, não é apenas inviolável, é sagrada!




26 comentários:

  1. Acho que o Estado deve intervir o menos possível na vida das pessoas. No aborto, pode-se discutir a questão de se proteger a vida de terceiros (o bebê), mas nesses casos de anencefalia, não há o que se proteger além do sofrimento.

    O argumento que você utilizou é pefeito - nenhuma mulher será obrigada a abortar assim que receber o diagnóstico da anencefalia. Mas aquelas que optarem por isso (decisão mais racional e humana na minha opinião) terão o direito garantido.

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  2. Quao exato é o diagnostico de um bebe anencefalo? tem muitos casos?

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    1. De acordo com o conselho federal de medicina, o diagnóstico é 100% exato e é possível ser realizado com 12 semanas de gestação, o que já é um belo tempo de gravidez feliz e cheia de rosas, para descobrir que seu filho não viverá :(

      Tem muitos casos sim, em torno de 1 para cada 1000 gestações, sem contar abortos espontaneos no período anterior a possibilidade de diagnóstico.

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    2. entendi. Bom intao é sensato mesmo que seja legalizado. Ainda mais que a ocorrencia eh bem grande e o diagnostico de 100%...

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  3. Fábio querido! Obrigada pelo carinho! Parabéns pelo post espetacular e muito importante! Grande e carinhoso abraço! Elaine Averbuch Neves
    http://elaine-dedentroprafora.blogspot.com.br/

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  4. Para mi parecer querido y admirado amigo nadie tiene derecho a intervenir en las decisiones de nadie. Cada persona mientras este en sus plenas facultades mentales es libre de escoger aquello que piense que es mejor para su vida. Muchos besinos con todo mi cariño y admiración.

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    1. Concordo com vc, mas aqui no Brasil, até 1 semana atrás, era considerado crime se vc abortasse, mesmo se seu bebê nao fosse ter chance de sobreviver.

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  5. Não vou comentar de novo pra não me repetir! Obrigada pelo carinho! Grande e carinhoso abraço! Ótima 5ªF!
    Elaine Averbuch Neves
    http://elaine-dedentroprafora.blogspot.com.br/

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  6. Fabio,confesso que não consegui me decidir nesse assunto,por desconhecer que o bebê já é um natimorto.Que coisa mais triste,para mãe e criança.Acredito que nesse caso, seja melhor a opção do aborto,para evitar sofrimento fetal e da màe durante a gestação.Na verdade, ninguem é a favor de abortar.Isso é em circunstancias de grande sofrimento como nesse caso que descreveu.Excelente abordagem de um assunto tão controverso!bjs,

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  7. Olá!Bom dia!
    Tudo bem?
    Creio que pelo fato de estar "garantido por lei", e dar a opção para a mulher mãe, decidir, já é uma vitória!
    Boa quinta!
    Abraços!

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    1. Só espero que não voltem atrás, como aconteceu em 2004!!

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  8. Nadie tiene que entrometerse en las decisiones de las personas que estan en uso de sus plenas facultades. Hay que pensar que hay supuestos que, a mi entender, son razonables y otros que pueden tener más controversia.
    Un abrazo, Fabio.

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  9. Já tenho minha opinião formada, faz tempo, sobre esse assunto.
    A ultima frase de seu texto já diz tudo:- a decisão da mulher é inviolável e sagrada.
    Ponto.
    Obvio que para isso precisa-se de um diagnostico completo, maduro, responsável.
    Mas para isso o Conselho Regional de Medicina já está se movimentando.
    Para que não se cometa nenhum erro.
    Portanto, está na hora desses religiosos pararem de se meter em tudo.
    Se estão tão preocupados em proteger as mulheres e seus fetos saudáveis, porque então não cuidam melhor de seus rebanhos, dando aulas de educação sexual já no catecismo e distribuindo camisinhas e anticoncepcionais para seus adolescentes?
    É fácil criticar, dificil trabalhar mais em prol de uma causa justa.
    Beijos Patthye , amei seus texto, parabéns.

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  10. um texto no mínimo interessante este que escreveste (:

    sim, no final, o resultado é o mesmo..

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  11. Estou passando para dizer que suas palavras são como favo de mel....goteja sabedoria....naquilo que diz: Desejo que continue a nos dar alegrias com tuas sabias palavras....Palavras as quais sempre trazem por si um aprendizado daquilo que diz... HTTP://www.uanderesuascronicas.blogspot.com

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  12. Sou totalmente contra o aborto, um inocente não tem culpas dos atos cometidos! Tenha um lindo dia, beijos

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  13. Aplaudo de pé a decisão do governo brasileiro. Sou totalmente á favor dessa lei.
    Tem vez que é necessário deixarmos de lado a religião (que adora ser a dona da verdade mas só preza para o lado dela) e o maldito achismo das pessoas totalmente saudáveis, com filhos saudáveis que acham que todos tem direito simplesmente porque não estão ali vivendo a situação. Essas pessoas que são contra a lei deveriam parar de se colocar no lugar de um ser sem cérebro e se colocar no lugar da mulher que está gerando isso em seu ventre.

    Te seguindo..se quiser me segue! Podemos trocar idéias.

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    1. Concordo com vc. Quem é totalmente contra o aborto, em qualquer ocasião, certamente não viveu uma situação limite e também não tem noção do que é ter que gerar por 9 meses, um bebê que já está sem vida, dentro do útero...

      Já estamos te seguindo tbm.

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  14. Como postei esses dias no meu blog, eu Patricia sou a favor do aborto no caso de abuso e estupro. Quanto a gestação onde diagnosticam a má formação do feto, eu não faria de jeito nenhum, já fui testemunha de uma pessoa que o médico queria fazer o aborto pois disse que tudo constava que a criança nasceria sem cérebro, e isso só iria gerar dor a mãe, pois o tempo de vida é minimo, pois bem ela não tirou e hoje essa menina que nasceu perfeita corre pelos corredores da igreja que frequento, mas acima de tudo respeito a decisão de cada uma, somente quem passa uma situação triste pode falar e resolver.

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  15. Olá Patrícia. Eu concordo quando o Fábio disse que o Estado não devia intervir na decisão das pessoas, contanto, se o Estado não intervir, o que intervirá, infelizmente, são as religiões e suas crendices e ao que me parece, são bem mais injustas que o Estado.
    Eu sou a favor desta decisão e seu texto apenas me trouxe maiores esclarecimentos. Não sabia que em 2004 havia ocorrido esta mesma discussão e voltaram atrás, tampouco que este tipo de gravidez causaria tantos danos a saúde da mãe. Até onde eu sei, o aborto é permitido pela nossa lei quando há risco de morte a mãe, não? Até mesmo quando há danos psicológicos como em casos de estupro.
    Então não faz sentido ir contra algo que cause as duas coisas.
    O que eu acho "interessante" são as desculpas que os religiosos usam, por fé cega, ignorância e manipulação de seus líderes, para defenderem "suas" ideias.
    Lembro como foi a campanha contra e a campanha a favor no Facebook. Não costumo me intrometer nestas coisas, não acho válido discutir com pessoas que estão praticamente "irracionais", visto que não procuram se informar e nem querem ouvir o outro lado. Apenas enxergam como algo "diabólico", "desumano", entre outros adjetivos.
    Sem querer perder o foco, as desculpas mais usadas foram que a mulher tinha que decidir e não homens (ponto que você esclareceu, a mulher não deixou de decidir, muito pelo contrário), dão exemplos de casos de doenças raras para comparar e que nada tem a ver, ninguém pode sobreviver racionalmente baseado em "milagres" e a coisa mais absurda que li em meu mural foi alguém dizer: "Temos que lutar para que esta lei não se estabeleça, temos que lutar pela vida, não podemos impedir que uma criança veja a luz do dia!"
    Eu fiquei me perguntando... "Ver a luz do dia?" WTF? Como alguém sem cérebro veria a luz do dia se o cérebro comanda a visão? Um dos primeiros sinais de tumor cerebral são dores de cabeça, vertigem e visão turva. Ou seja, pessoas defendem algo na fantasia, sem nem mesmo saber, como você mencionou, o que estão defendendo.
    Para mim, ser a favor da criminalização do aborto por anencefalia não é ser a favor da vida como usaram em massa esta tag no twitter. É ser a favor da morte. O parto de um anencéfalo não é uma certidão de nascimento, é de óbito.

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  16. oi Fábio não entendi o que quis dizer dar nomes aos boi???? Somente uma nota de esclarecimento contra uma falsa ofensa contra a minha pessoa, em nenhum momento citei nomes! beijos

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  17. Uma decisão pessoal. Sua soberania deveria estar na vontade da Mãe/Pai.

    O que me preocupa é: isso não pode abrir caminhos para outras práticas de aborto? Temos sistema realmente preparado para atender as mães, desde o diagnóstico, passando pelo procedimento e um acompanhamento psicológico? E a vida do nascituro? Porque muitos tem horas/dias/meses de vida...

    Ainda resta-me amadurecer muito, e ter opinião formada.



    *Não chove mais: mas cá temos um dia de outono: neblina, vento...



    Bjkas

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    1. Ale, se por acaso abrir caminho para outras práticas de aborto, seria pior do que o cenário que hoje encontramos, de milhares de mulheres que comentem aborto sem nenhuma condição de higiene e segurança? Penso que quem cometeria um aborto qdo legalizado, (pois chegará o dia que será assim) são do mesmo perfil de mulheres que já o fazem hoje, independente da legalização.

      Qto ao sistema estar preparado, sim está (minimamente) e será mais fácil atender uma mãe, tanto no sentido médico como psicológico, que pode interromper a gestação no início (na situação de anencefalia eh considerado uma antecipação terapeutica do parto e nao um aborto propriamente dito), do que atende-la depois, com várias sequelas físicas e emocionais, decorrentes da espera por uma resposta judicial ou ainda da gestação completa de um bebê que nasce morto ou fica dependendo de aparelhos por algumas horas ou dias... de vida? Aliás, qual o conceito de vida empregado nessa situação? Pois estes bebês nascerão sem a parte do cérebro que controla os impulsos, os sentidos, não havendo sentimentos, sensações, nada. Acho que é mto cruel para a mãe e para a família, além de para com o "corpinho" ali preso por um aparelho... Sei lá, essa é soh minha opinião, como mãe e também como profissional.

      Qual cidade de SC vc mora?

      bj

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  18. Concordo plenamente com o que foi dito. Nada mais a acrescentar ou algo assim, já falou tudo!

    http://thisunderdog.blogspot.com

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