
Há uns 12 ou 13 anos, no auge da adolescência e da arrogância inerente a esse período da vida, eu tinha certeza absoluta que ouvir punk rock era a coisa certa a fazer. Pra mim havia um propósito naquelas músicas, uma rebeldia, um grito de ódio contra o sistema e contra a opressão. Eu não era, nem nunca seria mais um alienado, como eram os pagodeiros e sertanejos com suas músicas de dor-de-cotovelo, nem um fútil depravado que só queria pegar uma menina fútil e depravada enquanto dançava forró ou axé, nem alguém que só dava valor à forma e não ao conteúdo ouvindo músicas com muitos acordes que não levavam a nada, como faziam os metaleiros. Não. Eu era superior a tudo isso.
Porra, eu ouvia Bad Religion!
E tinha certeza que o mundo seria um lugar melhor se todos fizessem o mesmo.
(Não, eu não errei no título, esse texto é sobre o Big Brother mesmo, já vamos chegar lá).
Hoje me lembro disso e acho um pouco de graça. E também sinto um pouco de vergonha, afinal, como eu podia ser tão bobo e prepotente? Mas logo em seguida já vem o questionamento – será que eu mudei? Bom, continuo ouvindo punk rock, mas agora a minha única certeza é que isso vai mudar tanto o mundo como o funk, axé, sertanejo, pagode ou qualquer outro estilo musical. Sim, no que tange a música eu acredito ter “amadurecido” por assim dizer, mas será que em outros assuntos não tenho uma postura parecida com aquela que tinha quando era jovem? Será que eu ainda sou iludido pelo engodo de me achar um ser superior só por preferir determinada linha de pensamento, ter determinados hobbys e hábitos? O Big Brother me fez perceber que sim, que ainda caio nessa armadilha. E que fazer julgamentos é muito fácil e muito tentador.
Faz tempo que estou querendo escrever sobre esse assunto (BBB). Já vi outros blogs falando sobre esse tema e a maioria escolheu a abordagem que eu inicialmente escolheria – “esse programa é uma porcaria e deixa as pessoas mais alienadas e menos inteligentes”. Bom, foi nessa hora que respirei fundo e pensei – será que se eu partir para essa linha de pensamento, não estarei sendo tão arrogante quanto era com a música há alguns anos? E será que não estarei contradizendo o que eu acredito? Sim, certamente estaria (na verdade estarei, porque tenho a impressão que vou fazer mesmo assim).
Primeiramente – no que eu acredito? Eu acredito na vida do cidadão comum, em acordar cedo e trabalhar, porque (infelizmente?) essa é a minha realidade, é a única realidade que eu conheço. E em mais nada – Deus, céu, paraíso, inferno, karma, dharma, desígnios divinos, evolução espiritual, reencarnação, etc. Nada. Só acho que estamos largados aqui, totalmente por acaso, vagando por esse mundo, desprovidos de propósito, sem ter qualquer tipo de missão a cumprir, qualquer tipo de lição a aprender. Só tentando preencher da melhor forma aquele tempinho entre o nascimento e a morte. Isso quer dizer que, tanto faz se você passou o tempo lendo “Genealogia da Moral” de Nietzsche ou “O Veneno do Escorpião” da Bruna Surfistinha, se você ouviu Mozart ou Michel Teló, se você assistiu toda a obra do Godard, do Bergman, do Kubrick e do Aronofsky, ou se você ficou dando uma espiadinha no Big Brother. Em última instância, vamos morrer e tudo será apagado, esquecido e perderá todo o valor que nunca teve. Como disse o Rei Salomão– “Tudo é vaidade e vento que passa. Não há nada de proveitoso debaixo do sol”.
Não estou dizendo que eu gostaria que fosse assim, só estou dizendo que eu acho que seja assim (sinceramente, gostaria muito de estar errado). Quando eu disse à minha mãe que não acreditava em Deus, ela me perguntou “ah, então todo mundo pode sair matando, roubando, fazendo o que quer e se não for pego aqui na terra vai morrer e ficar sem receber nenhum tipo de punição? É isso que você acha certo?”. Respondi que não, não acho certo e nem justo, mas é isso que eu acho que acontece. E o universo não vai mudar por eu discordar do mecanismo das coisas.
Mas isso é outro assunto. Vamos voltar à casa mais vigiada do Brasil.
O título da crônica é “já encheu o saco”. E eu de certa forma posso ter passado a impressão de estar argumentando a favor do BBB. Não é o caso, não estou contra, nem a favor. Mas já estou de saco cheio - todo ano é a mesma coisa. Você liga a TV, está lá – propaganda a cada dois segundos, trechos do programa, gente chorando, cochichando, bebendo e mostrando a bunda na beira da piscina (não, eu não sou moralista, nem hipócrita – nádegas femininas me atraem, me agradam a visão, mas não naquele contexto, não enquanto a dona da bunda bonita fala e demonstra o quão vazia e feia é por dentro). Acessa um site de notícias, está estampada a manchete em letras garrafais dizendo quem ficou com quem, quem se embebedou, quem tá no paredão, quem é o anjo, quem indicou quem, quem estuprou quem. Eu assisti alguns episódios (será que podemos chamar de episódios? Ou seriam capítulos? Ou outra coisa? Bom, não importa.) do primeiro BBB (que o Kléber Bam Bam ganhou se não me engano), também assisti alguns da “casa dos artistas” (do Supla e Bárbara Paz). Era novidade, mesmo assim acabei enjoando rápido. E sempre que vejo uma nova edição ser lançada (normalmente no intervalo dos jogos, que é praticamente a única coisa que me motiva a ligar a TV), penso – “será que as pessoas não enjoam disso? Eu nem assisto e já estou de saco cheio...”. E já estamos na 12º edição do negócio?
O BBB é um veneno que corrompe a sociedade? Acho que não, mas é aqui que vem o tema que gostaria de discutir. Na minha opinião, o BBB é só mais um programa fútil (a análise é totalmente subjetiva). Isso é ruim? Depende. Eu acredito (olha, achei mais uma coisa que eu acredito!) que tudo o que é demais acaba fazendo mal. Eu não suportaria viver só de coisas supostamente intelectuais, reais e eruditas. Não, acho que um pouco de futilidade, um pouco de distração e entretenimento descompromissado é importante de vez em quando. O tal do BBB preenche essa lacuna (Ratinho e Luciana Gimenez são outras “boas” opções na televisão). O problema que vejo é quando a futilidade ocupa 100% do tempo das pessoas. Quando o BBB é só mais um dos programas vazios que assistimos. “Ah, mas você não falou que tanto faz o que assistimos? Que tudo vai acabar de qualquer forma e perder o valor?” – sim, é verdade. Mas também falei que temos que tentar preencher da melhor forma o tempo entre o nascimento e a morte, certo? E não acredito que levar uma vida totalmente baseada em futilidades seja a melhor forma de se preencher o tempo. Por quê?
Porque acredito (caramba, já estou me sentindo quase um crente!) que devemos buscar um equilíbrio na vida, tentando encher o coração de alegria quando e enquanto isso for possível (isso também é falado pelo rei Salomão em Eclesiastes) e nos preparando para as mazelas e dias de sofrimento que certamente virão. Suponho (baseado apenas em observações pessoais) que a futilidade atrapalhe nesse ponto – pessoas fúteis me parecem menos preparadas para enfrentar a realidade, a dureza e o sofrimento indissociável da condição humana (embora às vezes pareçam se divertir mais em seu universo paralelo de conto de fada). Essas pessoas também me parecem menos aptas a questionar e mesmo a entender o mundo que as cerca. Não que isso seja de grande valia, acho que o máximo que podemos almejar é ver as cordas que nos controlam. Mas isso não nos tira da condição de marionetes.
Em última instância, vamos morrer e tanto faz o que fizemos ou deixamos de fazer em vida. Não vai morrer menos quem viveu mais, e não há argumento contra isso (pelo menos nenhum que não precise apelar para o sobrenatural). Mas, levando em conta os outros fatores que apresentei (se alguém teve paciência de chegar até aqui) e considerando também que não é tão simples apenas “não gosta, muda de canal”, dado o poder de “coerção” da rede Globo, eu questiono:
O que poderia passar no lugar do BBB?
Que tipo de programa agrega algo em cultura, diminuição da futilidade e do vazio?
Existe isso na sua opinião?
Esse tipo de programa teria audiência?
A única que eu responderia com certeza seria a última. Definitivamente não teria audiência. Pois o que gostamos mesmo é de assistir a vida dos outros enquanto a nossa própria vida passa, ouvir o choro das almas vazias habitando corpos bonitos, que se bronzeiam em horário nobre na beira da piscina.